Texto de Nina Veiga*
Uma criança organiza o seu espaço, nele entra e permanece algum tempo, deitada, isolando-se do que está à sua volta. O processo ordena-se pela colocação inicial da estrutura do 'entorno' - às paredes, logo segue a 'cobertura', o teto. No chão, há sempre panos, esteiras, almofadas que, ao serem colocadas, traduzem no gesto da criança uma arrumação de uma cama, um berço, um ninho - um lugar de recolhimento, de proteção (PEREIRA; NUNES, 1989, p. 65).
Junto à criança, está a boneca, a companheira do brincar que permite a imaginação, a construção, que aquece o corpo e a emoção. A boneca não existe sem seu ambiente. Quando sozinha com a criança, a boneca traz com ela a casa como símbolo e lugar.
A criança é a cuidadora de sua boneca. A casinha da boneca, quase sempre um espaço delimitado no chão, encarna simbólicos gestos de uma entidade que acolhe a criança: o princípio do cuidado, em seu aspecto de receptividade. Nesta relação entre a boneca e a casa, a criança exercita sensações de proteção, sentindo-se recebida, contida e nutrida, mas também protegendo e nutrindo. Seja quem for que exerça o papel de cuidador da criança, independente de gênero ou relação familiar, é o ser receptivo, que protege e cuida da criança. É esse ser que a criança imita ao brincar de casinha. Esse brincar a coloca em contato com a sensação de pertencimento a um lugar, de estar em casa, de chegar à sua casa. A casa também é o corpo.
Este espaço do cuidado assemelha-se a um refúgio, um lugar secreto, sagrado, onde criança e seu cuidador criam uma comunicação não verbal significativa, nascida do contato corpo a corpo, alma a alma, fortalecendo a primeira e universal linguagem de conhecimento do ser humano: o brincar.
São essas experiência de brincar as primeiras experiências de ser-no-mundo e se constituem a partir da casa como símbolo. Trata-se de uma experiência de espacializacão, primeira e fundamental, geradora das demais. Trata-se da experiência de habitar o próprio corpo. Na relação com o espaço fisico – casa/corpo – a criança toma consciência de si, em uma organização harmoniosa com o ambiente e construindo-se simultaneamente.
Na brincadeira de casinha, a criança organiza seu espaço interno em relação ao espaço externo. Ela cria seu território e se espelha nele a partir da boneca. Esse processo enfatiza ações de cuidado e nutrição. Ações que estruturam a dinâmica existencial da criança, fazendo do brincar na casinha de boneca um atividade ontológica, brinca-se de construir-se a si mesmo no mundo.
O sentido da ordem parece contemplar dois aspectos: de um lado, a especialização propriamente. NISE DA SILVEIRA (1982) aponta a estruturação do espaço como o que garante o homem sadio contra o delírio, como um modo de desenraizar as coisas do corpo e colocá-las no mundo.
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Nina Veiga segue a compor mais um livro: "POR UMA ESTÉTICA DA VIDA VIVA". Quem apoia seu canal no Youtube, ou contribui com o Catarse, faz parte de um grupo de leitores que podem acompanhar a edição de pertinho, criticando e sugerindo. Faça parte do grupo de apoiadores:
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